O dia em que se viram de novo.

“Uma coisa é certa: eles se amavam. Só que, nessa vida, não estavam destinados a viver juntos.”

O dia estava bonito e, da janela, via-se um pôr do sol que fazia um desenho no céu. Lílian estava sentada na mesa de um restaurante de hotel. O trabalho lhe consumia muitas horas do dia, mas não podia deixar de apreciar a vista, que lhe proporcionava paz e calma. Era um momento para pensar em si e em mais ninguém. Porém, esse momento durava pouco.
Trim-trim-trim...
- Alô, filho. – Dizia ainda olhando o por do sol.
- A mamãe também está morrendo de saudades. Mas chego logo, logo. E o papai, como está? – Agora o garçom se aproximava para retirar seu prato já vazio.
- Um beijo para ele e outro enorme para você. Te amo muito!
Guardou o celular na bolsa e terminou de beber seu copo d’água.
 Foi então que reparou que tinha uma menininha na mesa ao lado que a olhava sem parar. Ela estava sentada com um homem e uma mulher, que deveriam ser seus pais.
- Olá! Tudo bom? – Disse Lílian.
- Oi moça. Eu gostei muito do seu cabelo. – a menina sorriu meio tímida, e virou-se para os pais.
Foi então que Lílian olhou para a mesa da menina e reconheceu o homem que estava sentado ali. De um passado distante.... Seu primeiro amor.  Ele estava distraído conversando com a mulher. Os dois tinham uma aliança grande nos dedos. Até que formavam um casal muito bonito, pensou ela. A mulher era morena, de cabelos curtos e um pouco cacheados. Tinha os olhos verdes, e parecia ter um corpo bonito. A menininha puxou os olhos e os cabelos cacheados da mãe. Ela reparou que ele havia se tornado um homem maravilhoso, ainda com o mesmo sorriso da juventude e o mesmo olhar encantador. O sorriso lindo da pequena que acabara de conhecer, com certeza era do pai. O corte de cabelo dele estava bem diferente, mais curto. Ele estava com o corpo mais malhado também e a mesma barba de sempre. Parecia feliz.
Não queria que ele a visse. Então resolveu recolher sua bolsa e se levantar para ir embora.
- Já vai moça? Mãe, olha o cabelo dela. – A menina cutucava as mãos da mãe, numa tentativa de chamar a atenção.
Lílian não teve como ignorar a menina e virou-se para a mesa, estando em pé de costas para a cadeira que o pai estava sentado. De maneira que só a mãe pudesse vê-la.
- Ah sim, filha. Linda a moça, não é mesmo? – Concordou a mãe.
- Ei mocinha, a senhorita também é muito linda. – Disse Lílian, olhando para a menina.
- Também quero conhecer essa moça bonita. Posso? – Foi então que ele se virou para trás e bateu seus olhos nos dela.
Lílian não sabia o que dizer e nem o que fazer. Ela apenas continuou ali, olhando para ele. Tendo a mesma sensação que tinha há anos atrás e já nem mais lembrava que pudesse sentir. O coração bateu mais acelerado e a respiração quase faltou. Os dois se olharam por segundos, que mais parecera uma eternidade.
- Oi. – disse ela, finalmente.
- Olá moça bonita. – Ele disse, sorrindo. Virou para a filha e deu uma piscadinha, fazendo-a sorrir.  – Muito prazer em conhecê-la.
- O prazer foi todo meu. – disse. – Bom, tenho que ir andando. O trabalho me espera. Tchau mocinha. – acenou para a menina. – Bom jantar para vocês.- assentiu para os pais.
Ela deu uma última olhada para ele. E percebeu que ele piscou para ela, com um sorriso no canto da boca. Subiu para o quarto meio tonta. Quase apertou o botão do andar errado. Sabia que não ia conseguir trabalhar naquela noite. Não conseguiria se concentrar em nada que não fosse seus pensamentos. Encheu a banheira e apenas relaxou, por algumas horas, naquela água quente e cheia de espumas.
Eram quase onze horas quando seu celular tocou, despertando-a de um cochilo. Falou por alguns minutos com seu marido, contou para ele como foi seu dia no trabalho e o ouviu contando sobre o dele. Contou sobre o maravilhoso jantar com a vista para o pôr do sol, mas não tinha certeza se deveria contar sobre quem havia encontrado...já que, no passado, tudo que acontecia entre ela e ele ficava apenas entre os dois.
- Durma bem. Até amanhã.
Mal desligou o telefone e logo ouviu alguém batendo na porta. Achou estranho, por que não poderia ser serviço de quarto, nem camareira e nem ninguém.
- Quem é? – perguntou.
Em resposta, ouviu mais uma batida de porta. Mas, não era qualquer batida. Ela conhecia aquele tum tum-tum.
Abriu uma frestinha da porta.
- O que você está fazendo aqui? - Ele empurrou a porta, entrou e fechou-a rapidamente.
- Foi mal, não quero que me vejam no corredor. Eu contei uma mentirinha para o recepcionista pra saber o número do seu quarto.
- Mas e a sua filha e a sua mulher?
- Estão no quarto dormindo. Desculpa-me não ter dito nada na frente delas, eu não sabia muito bem o que dizer.
- Não, tudo bem. Eu que levei um susto quando te vi. Ia sair sem que você me visse, mas a pequena não deixou.
- A Clarisse não parou de falar nos seus cabelos o resto da noite.
- Mas o que ela viu de tão sensacional nos meus cabelos?
- Ela tem certo fascínio por cabelos lisos, por que o dela não é assim.
- Ela é linda.
De repente os dois ficaram em silêncio. Não por falta de assunto, por que eles tinham anos de assunto para colocar em dia. Ele não sabia que ela estava casada e que tinha um filho e ela não sabia que ele morava fora do país e tinha mudado de profissão. E mesmo com tanto assunto, eles apenas se olharam.
- E você continua linda. – Ele disse, quebrando o silêncio.
- Estou nada. – Ela colocou as mãos no rosto, escondendo o sorriso de vergonha.
- E essa aliança ai? – ele perguntou.
- Achou que eu não ia casar só por que eu sou feia ou por que ninguém ia aturar a minha chatice?
- Na verdade, eu sempre tive certeza de que você ia casar.
- E eu sempre soube que você ia fazer filhos lindos.
- Nisso eu tenho que concordar com você. Minha filha é maravilhosa. Puxou a mãe.  
- Você está ainda mais bonito. Gostei desse corte. E, não sei se já te disseram, mas o sorriso da sua filha é exatamente igual ao seu. – ele sorriu.
- Obrigado. Já me disseram sim, mas eu ainda acho o dela mais bonito. E você, qual foi a sua contribuição de beleza para o mundo?
- Tenho um filho de 4 anos, Miguel.
- Tenho certeza que ele é lindo, só por ter saído de você.
- Ele é sim.
Os dois nem repararam que continuavam exatamente no mesmo lugar ao lado da porta. Um analisando o outro. O coração dela batia aceleradamente e o dele também. Era quase possível ouvir o som do batuque. Os dois queriam se tocar, se sentir, ter certeza de que era um bem a frente do outro, mas nenhum dos dois se movia. Ao menos, não por alguns longos segundos.
- Por que você veio aqui, de verdade? – ela conseguiu tomar um ar e dizer. Ainda com medo da resposta. Ainda sem saber o que ela própria queria ouvir.
- Não sei. – Respondeu ele.  
- Eu acho que você deveria ir embora. – disse olhando para o chão, sem conseguir olhar nos olhos dele. Não tinha certeza se o que havia dito era o que queria.
- Se é isso que você quer, eu vou. –disse, mas ainda sem se mover.

Então ela se aproximou ainda mais dele.  Passou a mão pelo seu rosto, acariciando e finalmente sentindo que aquilo era real. Ele fechou os olhos e pegou na mão que o acariciava, levando-a na boca. Beijou a mão dela delicadamente e sentiu seu cheiro, mais uma vez. Ele puxou-a para ainda mais perto e os dois se abraçaram como se fossem um só. O abraço mais sincero e mais apertado que já haviam dado a qualquer pessoa. Um abraço de anos de espera. Um abraço de saudade. E, ainda mais importante, um abraço de amor. Não tinha como evitar o que veio a seguir. Eles se beijaram, por algum tempo. Como se cada beijo fosse uma memória diferente do passado. E, de repente, todos os dias e todas as noites que haviam passado juntos se tornaram presente. O tempo que passaram juntos deixou de ser passado no momento em que se tocaram. Era como se eles ainda fossem jovens e ainda tivessem uma vida inteira pela frente. Talvez ele agisse de maneira diferente. Talvez ele ainda a quisesse. Talvez ela não desistisse dele. Talvez os dois não andassem para rumos diferentes. Por que uma coisa é certa: eles se amavam. Só que, nessa vida, não estavam destinados a viver juntos. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Cansaço

Cada dia mais . . .

Aqueles essenciais, mais que amigos.